No fim da noite é tudo farinha do mesmo saco


Por Gabriela Almeida

Meus queridos, nessa vida nem tudo é trabalho. Foi pensando assim que decidi sair do conforto da minha casa e ir ao Brega. Isso mesmo! Não posso dizer que fui vestida a caráter, meu guarda roupa não me permite. Foi com meu velho companheiro all star, uma calça jeans e uma blusa lisa que me preparei para a guerra! Sem esquecer também dos meus equipamentos de trabalho: canetinha, papel, um celular super moderno – com direito a mp3, câmera, internet e todos os aparatos tecnológicos cabíveis nesta caixinha preta – e cervejas, porque ninguém é de ferro.
Cheguei um pouco mais cedo porque queria ver o movimento do começo ao fim. Falha, em Recife o povo é atrasado mesmo e nem um ambulantezinho se quer, para comprar minha cerveja, encontrei. Nenhum problema, a festa era no Vapor 48, nas redondezas do Recife Antigo e não iam me faltar bares por lá. Como quem não quer nada entrei no meu Uno prata e fui até o Novo Pina. O contraste da noite. Encontrei por lá Paulo, um amigo também do curso de jornalismo. Ele já estava sentado em uma daquelas mesas amarelas de plástico tomando sua cerveja geladíssima. Sentei e peguei um copo. Ao fundo tocava um psicodélico de primeira, 21st Century Schizoid Man de King Crimson, a pedido de Paulo, porque se eu fosse escolher uma música aquela noite certamente seria Nois Gosta das Novinha de Mc Sheldon e Mc Boco, meu mais novo vício, para decepção de mamãe que já não aguentava o cigarro e agora tem que aguentar fumaça e brega 24h dentro de casa.
Depois de alguns copinhos voltei para o Brega Naite, no Vapor 48.  Era coisa de 11h30 e o contraste agora era a fila. Cocotinhas com seus vestidos da Zara e os motoqueiros de Caetés II com seus capacetes no cotovelo. Do lado de fora já dava pra ouvir a música rolando, mas não consigo lembrar qual era. Agora já com vários ambulantes eu tratei de assegurar a minha gelada. A fila era realmente enorme, aproveitei pra da uma conversada com quem estava do lado de fora. Uma coisa complicada pra mim, mas depois de algumas cervejas o que eu não faço por Dario? Pensei logo em falar com alguma das bem vestidas. Em cima de um salto que calculei ter uns 5 cm – não confiem nos meus cálculos, sou péssima com números e certamente era maior - , uma calça escura que até agora me pergunto como Patrícia conseguiu entrar, uma blusa verde escuro em um tecido frio, ela me falou: “Po! O Brega Naite é massa, eu acompanho desde as primeiras edições. Antes era mais uma coisa de moda, ta ligada? A galera vinha pra tirar onda, mas pela fila tu tira que o negócio agora é sério, aqui só tem bregueiro de raiz.” Patrícia Gomes tem 32 anos e não tem preconceito musical, diz que quanto está em casa o pc dela toca do brega ao psy.
Era a hora de pegar o outro lado da moeda, alguém do povão. Mas antes outra cerveja. Patrícia é uma moça muito simpática e quase me contou a vida dela inteira, acho que a galera pensa em jornalista como psicólogo, não entendo isso. Mas então, foi ai que tive a brilhante ideia, vou conversar com a moça da cerveja! “Olhai eu aqui de novo, num falei que voltava?! Me vê mais uma geladinha ae Tia”. Graça não estava tão bem vestida quanto Patrícia, uma regata preta com uma das alças descosturadas na beirada, uma bermuda que já foi branca um dia e uma havaiana dessas com detalhes em azul e branco, ela estava ali a trabalho. Com uma voz bem forte, que me lembrou das cantoras negras de Blues e Jazz, ela contou: “Ah! Essas músicas? Gosto não, minha filha. É muito feia! Um povo falando safadeza. Eu gosto das músicas da minha igreja. Mas eu tenho um menino em casa que gosta, viu? Eu brigo, mas esses meninos de hoje não dão ouvido à mãe não, né ‘mermo’?”. E eu achando que Graça ia ser uma bregueira das boas me dando um depoimento pra conquistar qualquer leitor (lê-se Professor), segunda falha.
A busca pelo cafuçu perfeito. Chegou a hora de falar com os de capacete no cotovelo. Roberto Filho é dono de uma moto Honda CG 125 que ainda nem terminou de pagar, mas é o orgulho do cara que nem é de Caetés II, ele mora em Bairro Novo, Olinda e tem 25 anos. Trabalha como motoboy e quando pergunto o que ele gosta na festa ganho o depoimento da conquista, “Rapaz, da uma sacada nas doidas dessa festa? Alto nível menina, lá nas Olinda o negócio é fraco demais. Aqui eu ainda tenho a chance de catar uma playboyzinha pra da um rolê na minha moto”. Gostei do cara e me juntei pra tomar mais uma cerveja. “Num acho que esses riquinhos sejam do brega. Eles só querem tirar onda. A gente também, mas a gente respeita a música, tem muito neguinho que avacalha mesmo nessas festas. Papai e mamãe não tão vendo aí eles se soltam.” Contou Roberto. É um preconceito mutuo que rola, mas na hora da festa todo mundo se mistura que nem dá pra notar que existem tantas diferenças na pista de dança.
Com minha pulseirinha numa mão e a cerveja na outra, entrei. Eu já conhecia a festa e o espaço, mas vale fazer um merchandise. Bem ventilado, com uma vista linda do Rio Capibaribe o Vapor 48 realmente é o lugar ideal pro Brega Naite. Lá dentro a coisa já estava a mil, muitos casais dançando e muitos solteiros na caça. Encontrei um lugar mais afastado e com menos gente, me sentei em um batente perto da piscina. Esperar mais de 30 minutos em pé pra entrar na festa é o sacrifício. Depois de uns 10 minutos sentada chegou um casal de meninas. Olhando de longe eu diria que elas estavam beirando os 15 anos. Errei. F.S. (20) e J.B. (22) são realmente um casal! Não me assustei porque, como falei antes, já conhecia a festa e sabia que, como todas as outras festas organizadas pela Golarrolê, o público gay é uma constante. “É engraçado mesmo, normalmente a festa do brega é vista como uma festa machista, onde o preconceito é forte. Mas aqui é diferente. Não sei dizer o porquê. Não me sinto ofendida quando beijo minha namorada aqui, as pessoas encaram como uma coisa natural” falou J.B que foi complementada em seguida por sua amada “as pessoas também tão mudando, do mesmo jeito que o preconceito de que a festa brega é só pro povão já caiu faz tempo, o preconceito contra duas pessoas do mesmo sexo que se amam e externam isso tá caindo”.
É nessa mistura toda que acontece o Brega Naite. Preconceito para umas coisas e liberdade para outras. Gente bonita e de todas as cores. Por fim meus queridos, quando o relógio bateu às 2h da manhã o encanto de ser jornalista acabou! Fui no bar, já sem minha fantasia imaginaria de jornalista, pedi minha primeira cerveja da noite sendo apenas Gabriela e pronto, os acontecimentos depois desta hora ficam velados pelas cervejas que tomei.
Ps: A parte da cerveja foi só para dá graça ao texto. Se beber NÃO dirija. 

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