No fim da noite é tudo farinha do mesmo saco


Por Gabriela Almeida

Meus queridos, nessa vida nem tudo é trabalho. Foi pensando assim que decidi sair do conforto da minha casa e ir ao Brega. Isso mesmo! Não posso dizer que fui vestida a caráter, meu guarda roupa não me permite. Foi com meu velho companheiro all star, uma calça jeans e uma blusa lisa que me preparei para a guerra! Sem esquecer também dos meus equipamentos de trabalho: canetinha, papel, um celular super moderno – com direito a mp3, câmera, internet e todos os aparatos tecnológicos cabíveis nesta caixinha preta – e cervejas, porque ninguém é de ferro.
Cheguei um pouco mais cedo porque queria ver o movimento do começo ao fim. Falha, em Recife o povo é atrasado mesmo e nem um ambulantezinho se quer, para comprar minha cerveja, encontrei. Nenhum problema, a festa era no Vapor 48, nas redondezas do Recife Antigo e não iam me faltar bares por lá. Como quem não quer nada entrei no meu Uno prata e fui até o Novo Pina. O contraste da noite. Encontrei por lá Paulo, um amigo também do curso de jornalismo. Ele já estava sentado em uma daquelas mesas amarelas de plástico tomando sua cerveja geladíssima. Sentei e peguei um copo. Ao fundo tocava um psicodélico de primeira, 21st Century Schizoid Man de King Crimson, a pedido de Paulo, porque se eu fosse escolher uma música aquela noite certamente seria Nois Gosta das Novinha de Mc Sheldon e Mc Boco, meu mais novo vício, para decepção de mamãe que já não aguentava o cigarro e agora tem que aguentar fumaça e brega 24h dentro de casa.
Depois de alguns copinhos voltei para o Brega Naite, no Vapor 48.  Era coisa de 11h30 e o contraste agora era a fila. Cocotinhas com seus vestidos da Zara e os motoqueiros de Caetés II com seus capacetes no cotovelo. Do lado de fora já dava pra ouvir a música rolando, mas não consigo lembrar qual era. Agora já com vários ambulantes eu tratei de assegurar a minha gelada. A fila era realmente enorme, aproveitei pra da uma conversada com quem estava do lado de fora. Uma coisa complicada pra mim, mas depois de algumas cervejas o que eu não faço por Dario? Pensei logo em falar com alguma das bem vestidas. Em cima de um salto que calculei ter uns 5 cm – não confiem nos meus cálculos, sou péssima com números e certamente era maior - , uma calça escura que até agora me pergunto como Patrícia conseguiu entrar, uma blusa verde escuro em um tecido frio, ela me falou: “Po! O Brega Naite é massa, eu acompanho desde as primeiras edições. Antes era mais uma coisa de moda, ta ligada? A galera vinha pra tirar onda, mas pela fila tu tira que o negócio agora é sério, aqui só tem bregueiro de raiz.” Patrícia Gomes tem 32 anos e não tem preconceito musical, diz que quanto está em casa o pc dela toca do brega ao psy.
Era a hora de pegar o outro lado da moeda, alguém do povão. Mas antes outra cerveja. Patrícia é uma moça muito simpática e quase me contou a vida dela inteira, acho que a galera pensa em jornalista como psicólogo, não entendo isso. Mas então, foi ai que tive a brilhante ideia, vou conversar com a moça da cerveja! “Olhai eu aqui de novo, num falei que voltava?! Me vê mais uma geladinha ae Tia”. Graça não estava tão bem vestida quanto Patrícia, uma regata preta com uma das alças descosturadas na beirada, uma bermuda que já foi branca um dia e uma havaiana dessas com detalhes em azul e branco, ela estava ali a trabalho. Com uma voz bem forte, que me lembrou das cantoras negras de Blues e Jazz, ela contou: “Ah! Essas músicas? Gosto não, minha filha. É muito feia! Um povo falando safadeza. Eu gosto das músicas da minha igreja. Mas eu tenho um menino em casa que gosta, viu? Eu brigo, mas esses meninos de hoje não dão ouvido à mãe não, né ‘mermo’?”. E eu achando que Graça ia ser uma bregueira das boas me dando um depoimento pra conquistar qualquer leitor (lê-se Professor), segunda falha.
A busca pelo cafuçu perfeito. Chegou a hora de falar com os de capacete no cotovelo. Roberto Filho é dono de uma moto Honda CG 125 que ainda nem terminou de pagar, mas é o orgulho do cara que nem é de Caetés II, ele mora em Bairro Novo, Olinda e tem 25 anos. Trabalha como motoboy e quando pergunto o que ele gosta na festa ganho o depoimento da conquista, “Rapaz, da uma sacada nas doidas dessa festa? Alto nível menina, lá nas Olinda o negócio é fraco demais. Aqui eu ainda tenho a chance de catar uma playboyzinha pra da um rolê na minha moto”. Gostei do cara e me juntei pra tomar mais uma cerveja. “Num acho que esses riquinhos sejam do brega. Eles só querem tirar onda. A gente também, mas a gente respeita a música, tem muito neguinho que avacalha mesmo nessas festas. Papai e mamãe não tão vendo aí eles se soltam.” Contou Roberto. É um preconceito mutuo que rola, mas na hora da festa todo mundo se mistura que nem dá pra notar que existem tantas diferenças na pista de dança.
Com minha pulseirinha numa mão e a cerveja na outra, entrei. Eu já conhecia a festa e o espaço, mas vale fazer um merchandise. Bem ventilado, com uma vista linda do Rio Capibaribe o Vapor 48 realmente é o lugar ideal pro Brega Naite. Lá dentro a coisa já estava a mil, muitos casais dançando e muitos solteiros na caça. Encontrei um lugar mais afastado e com menos gente, me sentei em um batente perto da piscina. Esperar mais de 30 minutos em pé pra entrar na festa é o sacrifício. Depois de uns 10 minutos sentada chegou um casal de meninas. Olhando de longe eu diria que elas estavam beirando os 15 anos. Errei. F.S. (20) e J.B. (22) são realmente um casal! Não me assustei porque, como falei antes, já conhecia a festa e sabia que, como todas as outras festas organizadas pela Golarrolê, o público gay é uma constante. “É engraçado mesmo, normalmente a festa do brega é vista como uma festa machista, onde o preconceito é forte. Mas aqui é diferente. Não sei dizer o porquê. Não me sinto ofendida quando beijo minha namorada aqui, as pessoas encaram como uma coisa natural” falou J.B que foi complementada em seguida por sua amada “as pessoas também tão mudando, do mesmo jeito que o preconceito de que a festa brega é só pro povão já caiu faz tempo, o preconceito contra duas pessoas do mesmo sexo que se amam e externam isso tá caindo”.
É nessa mistura toda que acontece o Brega Naite. Preconceito para umas coisas e liberdade para outras. Gente bonita e de todas as cores. Por fim meus queridos, quando o relógio bateu às 2h da manhã o encanto de ser jornalista acabou! Fui no bar, já sem minha fantasia imaginaria de jornalista, pedi minha primeira cerveja da noite sendo apenas Gabriela e pronto, os acontecimentos depois desta hora ficam velados pelas cervejas que tomei.
Ps: A parte da cerveja foi só para dá graça ao texto. Se beber NÃO dirija. 

O BARULHO DO BREGA

Por Clarissa Macau

Numa sociedade cheia de contradições e transformações sociais como a nossa, o Brega com suas vertentes eletrônicas aparece fazendo barulho. As letras e o ritmo que abusam da sensualidade e do humor, se encontram em meio a velha e até cansada indagação: gosto se discute ?! Como reflexo de uma parcela da sociedade brasileira, formada pela classe trabalhadora e pela juventude "cybermana", essa música parece indignar aos conservadores (e talvez elitistas); interessar aos estudiosos que se debruçam sobre as complexidades por trás desse estilo, enquanto jovens se divertem, independentemente de suas classes e intenções.

Hoje em dia as bandas e cantores de brega, surgindo aos montes, na maioria das periferias das cidades do Norte e do Nordeste, têm mais chances de expressar sua regionalidade para além das rádios, da mídia local e da sua classe "nativa". Em grande parte, graças às novas tecnologias: internet e programas de computador, específicos para música, auxílios que faltavam para divulgação e produção espontânea desses músicos, que criam seu próprio show business e parecem ignorar as condições supostamente degradantes em que vivem, cantando sobre amor, traição e sexo ao seu próprio modo. Fugindo de padrões  e fazendo parte de uma nova construção da realidade do país. 

Música de excluídos da sociedade ?!

O cineasta e jornalista paraense Vladimir Cunha - que dirigiu junto a Gustavo Godinho o filme Brega S/A - declara "o brega é a música feita pelo cara que, até pouco tempo atrás, era o fã que estava lá no meio da galera curtindo a festa". O estilo genuíno das comunidades de periferia, mostra que a música não é exclusividade de profissionais com anos de treinamento. O recifense Klébson Gonçalo de Oliveira Corrêa, 18 anos, mais conhecido como DJ Kebinho, e dono do mote "Abalando o Recife" é um exemplo disso. O Dj morador do Ibura, que divulga seu trabalho pela internet no Orkut, 4shared, MSN e blog pessoal , tem a agenda lotada durante toda a semana, chegando a receber convites para apresentações em São Paulo e no Rio de Janeiro, e diz que "só precisei ganhar um computador", para logo em seguida começar a carreira agitando bailes de brega. Além disso, Kebinho tem critérios para abalar a capital pernambucana e agradar aos seus clientes, "é brega romântico para corôa, e tecnobrega para boyzinho".

Segundo o professor  Fernando Fontanella da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e mestre em comunicação pela UFPE, "o brega é a tentativa de criar um show business" ao mesmo tempo que pode ser considerado subversivo. Seus produtores, além de construírem um mercado fonográfico particular, baseado na informalidade (o que não implica na não seriedade, desse, como negócio) que trai a lógica de consumo ainda hegemônica, "ignoram o fato de que são excluídos e fingem que fazem parte do sistema que inicialmente não os quer", a partir dos figurinos que vestem e da postura de aparente autoestima elevada dos seus integrantes. Dessa maneira o brega se distingue de movimentos musicais mais politizados como o Hip Hop que denuncia uma sociedade injusta . O brega nem quer saber disso. Longe de ser uma resistência alternativa, buscam influências em Hollywood, artistas globais e música pop americana misturadas aos ritmos populares como o carimbó, o calypso e o funk  carioca para inspirar o novo brega eletrônico. Esse, quer sucesso, tocar corações e também, segundo a vocalista Cheila Silva da banda Swing do Pará: "fazer dançar".

Swing do Pará surgiu há oito anos juntando integrantes do Recife e de Belém do Pará. A banda que faz o som tecnomelody chegou a se apresentar no programa global TV Xuxa . Cheila afirma que a sensação de estar em rede nacional foi "uma emoção única. Só esperava ter mais retorno através disso", referindo-se a uma promessa da produção do programa sobre um "repeteco" da apresentação que até hoje não foi concretizada.

A mídia tradicional, começou a ver nos representantes do brega a possibilidade de dialogar com as classes mais pobres. Quem deixou as portas abertas para bandas como Swing do Pará aparecerem em rede nacional, foi a banda Calypso de Joelma e Chimbinha, hoje com mais de dez anos de carreira. Na primeira aparição da banda no Faustão alguns ficaram atordoados com a possibilidade de uma música de "mau gosto" ser espalhada, enquanto outros se perguntaram se o grupo continuaria o mesmo. O professor Fernando Fontanella acredita que há uma profissionalização e certa domesticação natural para que esses grupos sejam difundidos através da TV produzida pela elite. Mas "quando Calypso aparece no Faustão significa que a banda mudou muito mas também significa que o Faustão mudou muito. Os dois lados cedem". 

O prazer sem compromisso do Brega 

Para muitos, o Brega, principalmente sua nova safra, só pensa em uma coisa: sexo. O aspecto da chamada "azaração", nessa música, é muito criticado por seus 'antipatizantes' que estigmatizam-no de vulgar. Letras e interpretações livres de pudores como nas canções "Posição da rã" e "Nóis gosta de novinha" - ambas de Mc Sheldom e Mc Boco - costumam causar risos nervosos e deixar muito pai e mãe de família classe média boquiabertos. Por que esse tema é uma constante nas letras dessas músicas ?! Dj Kebinho acredita que seja "para influenciar as novinha" - referindo-se às meninas menores de idade - mas ao mesmo tempo faz um parêntese reclamando da visão generalista das pessoas  sobre as ouvintes do brega e abre o jogo "É mentira, por exemplo, pensar que uma mulher vai trair o marido por causa de uma música. Tem nada a ver. Uma mulher já cabeça não faz essas coisas, mas é diferente da menina de 14, 15 anos que nem pensa direito. Na moral."

Para o jornalista Vladimir Cunha, a realidade caótica, que inclui em seu cotidiano a convivência direta com a violência sexual contra crianças, adolescentes e mulheres "contribuem para a forma como a sexualidade se reflete na percepção dessa gente", que não por exceção, tem a ideia do sexo presente desde a infância, e completa: "a sexualidade nos bairros mais pobres é vivenciada e entendida de uma maneira diferente da forma como a classe média lida com o assunto". 

Na periferia, quase sempre, as regras não são as oficiais. Além da violência sexual, outros gêneros de violência e a convivência com o tráfico de drogas, estão presentes na vida das comunidades pobres. "As classes mais altas introjetam involuntariamente as leis, mas já na periferia, grande parte das pessoas sabem quando algo é considerado errado mas não introjetam as regras impostas por uma esfera social que não é a sua. Quando faz isso é com descontinuidade, porque eles não se identificam com essas leis ficando muito mais fácil de se tolerar a evasão da regra!" exclama o professor Fontanella que acredita que os regulamentos rígidos não têm vez na sensibilidade brega, onde a ação, a performance superam o significado. "O brega trabalha o sexo como performance. O prazer não vem como símbolo, vem como ato". Qualquer visão mais poética possivelmente está fora de questão. O que vai de encontro ao que a cantora e percussionista Ganga Barreto,  vocalista da banda Observatório, pensa: "todo o estilo musical pode falar normalmente de sexo. Mas, não tão explícito como as palavras baixas usadas nas letras de brega". Por outro lado, Vladimir Cunha acredita que o mundo do brega não é tão flexível e possui "suas próprias regras, e quem o produz acaba seguindo-as para poder emplacar e sobreviver". 

A vocalista da banda Swing do Pará, Cheila Silva vê como normal a opinião de pessoas que percebem o brega como apelativo "porque realmente temos o lado ruim, que faz isso mesmo, assim como o  forró fala muito de 'bebedeira'. É uma faca de dois gumes" mas para ela sua banda não se enquadra nesse "lado ruim". 

Acompanhado do Funk carioca e do Forró estilizado, o brega vai seguindo sua trajetória espalhafatosa e sem subterfúgios, para além da periferia, tocando em temas de maneira considerada "selvagem" pelas pessoas  ditas civilizadas. 

Veredito: Culpado ou inocente ?

Hoje, o brega tem seu próprio show business e já se relaciona com a considerada hegemonia cultural sem deixar por isso de tocar em assuntos de forma pouco usual na música dita "de qualidade". O brega está extrapolando o limite da exclusão social e chega aos ouvidos e corpos dos jovens de classe média. O paraense José Roberto Ferreira da Costa, webmaster do site Brega Pop - que tem em média 1400 visitantes por dia - observa que "o tecnobrega conseguiu a proeza de estar praticamente na maioria das camadas sociais, visto que até em festas das chamadas "elites" o ritmo também está inserido. O agora tecnomelody ganhou definitivamente a classe média". Em Belém do Pará os jovens mais ricos chegam a receber descontos e até entram de graça nas festas de aparelhagem. O consumo e a apropriação desse ritmo apesar de, por vezes, serem irônicos acabam produzindo um diálogo cultural entre classes até pouco tempo muito distantes, gerando reconhecimento. Para o professor Fernando Fontanella "existem pessoas de classe média que acaba gostando genuinamente a partir desse consumo irônico". 

Apesar dessa conquista de terrenos alheios, o brega continua alvo de críticas ferrenhas por parte de seus detratores: os especialistas e amantes, em geral, da "boa música" que veem como vítimas ou cúmplices passivos os ouvintes do brega, tanto pela falta da qualidade musical técnica bregueira, quanto pelo seu conteúdo literário duvidoso que supostamente motivaria o status quo da probreza de muitos no país. Isso seria subestimar esses ouvintes ?! Para Fontanella, sim! Ele volta a opinar: "longe de serem passivas, essas pessoas têm uma agência muito forte. Mais agentes até do que fãs de outros estilos musicais que as vezes se mostram como verdadeiros zumbis". Essas pessoas quase sempre têm acesso aos seus ídolos, e podem, por que não, montar a sua própria banda e os seus próprios bregas como eles.  

O cineasta e jornalista Vladimir vê o brega como música pop, e não interpreta como crime dizer que essa música é pobre, na sua opinião, assim como rock n'roll, e dispara "As pessoas têm a tendência de achar que o rock é uma expressão superior, mas se esquecem que ele também é muito pobre em termos estéticos. É uma música de três acordes que tem versos como 'she loves you  yeah yeah yeah' que são tão pueris e pobres quanto uma letra de tecnobrega" e tem para si que música pop, como o brega, tem a função de divertir e não de educar.  Mas nada fica livre de um ônus. Para o jornalista, o problema estaria no caso específico do tecnobrega, se a pessoa que escuta essa música se restringe somente a ela "aí, sim, ouvir essa música alienada e fugaz se torna um problema". Quantas pessoas possuiriam esse problema ?!

Para parte dos brasileiros a função do brega é emburrecer a sociedade, para os bregueiros - tanto fãs quanto ídolos - a função é divertir, e para estudiosos como Fernando Fontanella tem a função de revelar. Existem ainda mais coisas a se revelar além da "rã" e da "periquita" ?! O professor explica: "o brega revela coisas que estavam ocultas para a elite cultural", além disso ele funciona como uma manutenção muito forte na autoestima  dos participantes dessa cultura. Com a cena brega, a possibilidade de alçar patamares além da pobreza se tornou realidade, "ele faz parte de uma construção de uma nova hegemonia, de um novo acordo social a partir da introdução de gente nova na sociedade de consumo".

Entre otimismos e pessimismos, o brega se estabelece na sociedade e instabiliza o mercado fonográfico tradicional. Os novos bregas assim como os antigos são uma produção genuína da periferia e vêm se apropriando de diversas linguagens do seu universo e de fora dele. Agora pergunto: O brega é um alerta para a sociedade de que alguma coisa não vai bem ? O que eles cantam é errado? Mas se o país proporcionasse condições igualitárias para todos, o brega e sua expressão hedonista teriam vez ? Podem criticar ou analisar o quanto quiserem mas, certamente, nos próximos dias, meses e anos muitas pessoas se divertirão, e sim, desfrutando de letras de genialidade peculiar que contam o dia dia e as atitudes, talvez incoerentes para alguns, mas espontâneas de um povo criativo que constrói seus próprios conceitos. 

Para terminar, o podcast abaixo trás algumas opiniões do Povo sobre a música Brega atual:


O barulho do brega by bregaforall

O casamento da pirataria com as novas tecnologias


O contexto de exclusão em que ainda se encontra a população produtora do brega, nos dias de hoje, sugere aos próprios criadores desse gênero  musical um tipo de transformação.O desejo de fazer parte do sistema, ser um grande artista, ultrapassar os limites de um público consumidor local faz dos produtores independentes membros ativos no processo de legitimação do espaço da música brega dentro do mercado.
Ao chegar ao Camelódromo da Av. Dantas Barreto, numa tarde de quinta-feira, deparei-me com uma cena comum aos olhos de quem transita pelo local diariamente: uma aglomeração de carrinhos de CDs piratas dividem as principais vias e calçadas da avenida com veículos e pedestres. A Dantas Barreto é o nicho do brega, já que é praticamente impossível caminhar pela avenida sem compartilhar das ondas desse ritmo. Ali, o estilo musical encontra espaço para se manifestar sem limites.
  Marcos Antônio da Silva, 36 anos, ambulante de cd pirata no local há doze anos, afirmou que adquire os hits através dos próprios músicos das bandas e reproduz cópias para vender, contribuindo para a difusão do ritmo nos grandes veículos de comunicação. ”Lançou uma música e foi boa, a gente  já estoura na mídia (sic)” , diz ele, que, um dia, já foi DJ e hoje recebe as versões em primeira mão de amigos como DJ Deni, DJ Jesus e Kléber da Banda Lapada.
Para o Mestre em Comunicação e Professor da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), Fernando Fontanella, a intenção do brega não é ser nem fazer arte. “O brega é uma indústria cultural, tem o objetivo de vender, de se adequar a uma lógica de mercado”. No entanto, essa lógica é transformada a partir do momento em que o brega se torna uma cultura de pirataria, totalmente antimercado no sentido de contrariar as leis do modelo capitalista vigente.
Seguindo uma lógica própria, o comércio do brega sustenta sua expressão através das novas tecnologias. A internet aparece como uma ferramenta determinante na dinâmica desse mercado. “Quando lança um brega que não tem no comércio, a gente procura baixar na internet”, revela o ambulante Marcos, que chama atenção para o aumento de consumidores do ritmo depois que a internet passou a ser usada como recurso facilitador do seu trabalho.
Há poucos metros do camelô de Marcos, encontrei o ambulante Wanderson Floro do Nascimento, 21 anos, que há três anos permanece na Dantas Barreto com a sua carrocinha dada de presente pelo tio, dono de uma pequena produtora. O comerciante também vê a internet como instrumento vital para o sucesso das vendas. Ao contrário de Marcos, o comerciante faz uso apenas da ferramenta para baixar as músicas de brega e tirar as cópias para vender. Geralmente, Wanderson compra cada unidade de cd virgem a R$ 0,35 e as vende por R$ 3,00, duas por R$ 5,00. Segundo ele, a concorrência entre os camelôs é grande. “Muitas vezes há disputa para ver quem bota o som mais alto”, diz o jovem achando graça.
Esses ambulantes, que tem como única fonte de renda o comércio de CDs piratas, não deixam dúvidas de que as novas tecnologias vieram para enriquecer a finalidade de seus trabalhos, incrementando ainda mais o consumo. É a voz de um segmento que constrói seu dia a dia atendendo a dois objetivos: a garantia da própria sobrevivência e a difusão do brega.

É brega? Então é glamour!

Cafona, cult, chique ou normal? Lantejoulas e assessórios de altíssimo glamour são o que incrementam o figurino dos que cantam, dançam e curtem o brega. O peso que a palavra 'brega' carrega consigo é tão assustador que se um dia você sair na rua e alguém falar: “como sua roupa é brega!”, imediatamente seu guarda-roupa será re-utilizado. Mas o que poucas pessoas sabem, é que o brega não se resume apenas a um estilo musical e sim a uma história cultural que percorre décadas e décadas de amor.

É notório o extremo exagero de cores e adereços na estética brega. Vamos começar pelos próprios cantores! O Rei, Reginaldo Rossi e suas camisas brilhantes, seus óculos apaixonantes e seus colares e anéis estonteantes. Falcão! E suas flores e suas cores que dão brilho e força às suas músicas apaixonadas. E claro, a musa das musas, Joelma! Atualmente ninguém mais investe em figurinos tão trabalhados e estilizados como a vocalista da Banda Calypso que atrai multidão de fãs onde passa.

Pode-se observar o ‘estilo brega’ também no figurino dos dançarinos. Seja tecno-brega, seja calypso, seja brega romântico, é fácil de identificar de qual gênero se trata. Autêntico! É o que mais determina essa irreverência investida em cores fortes e vibrantes.

Esqueçam os sapatinhos de salto alto, as roupinhas alternativas e modernas, pois o maior reflexo da “indústria cultural bregueira” também pode ser vista nos próprios shows. Para os rapazes o mais adequado seria a famosa ‘pochete’, o pente no bolso da camisa, o celular na cintura e aquela velha camisa xadrez com uma calça de cor forte, ou o xadrez com quadriculado (também vale), o importante é se sentir apaixonado. Para as moças sugiro colares coloridos, estampa de bichinho, flores e muitas flores, luvas, maquiagem impecável, grandes brincos e claro, muito glamour, luxo e riqueza.

Independente de ser ou não ser, independente de estar ou não estar em sintonia com a paixão e o amor que o brega pode nos proporcionar, o ideal é que nós nos desprendamos que qualquer estereótipos ou termo pejorativo que se associe com o brega, porque afinal de contas, o amor, a paixão e a luxúria é para todos! 


A doméstica Eline Alexandra, de 48 anos, diz que ser brega é ser moderna e ser moderna é ser chique! “eu me visto do jeito que eu quero e me sinto linda. Quem me dera ter dinheiro pra um dia fazer uma roupa como a de Joelma. Enquanto eu não posso, me viro com o que tenho”, afirma Eline.

Já o desing André Fantine, freqüentador assíduo do Brega Naite, diz que a roupa brega é mias uma junção de peças que não combina em forma e não em cores. Mas enquanto ao seu figurino para ir ao Brega Naite conclui: “eu acho é que o brega é brega independente do local”.



Ser brega na classe média

Apesar da origem da palavra “brega” ser desconhecida e alguns estudiosos afirmarem que essa denominação vem dos prostíbulos nordestinos, há trinta anos, “brega” é uma palavra usada para denominar cafonice e música de mau gosto feita por e para classes populares. 

No começo dos anos 70, a música brega começou a chamar atenção de pessoas mais humildes através de cantores como Reginaldo Rossi, Amado Batista, Odair José (que vendeu vários discos e fez sucesso com a canção intitulada “Pare de tomar a pílula”. Odair, inclusive, fez dueto com Caetano Veloso, em um festival: Phono 73), entre outros. Já na metade dos anos 70, surgiu Sidney Magal e Gretchen. Ambos modernizaram o ritmo, pois misturaram pop dançante e danças sensuais. 

Já nos anos 80, jovens artistas do Sudeste, começaram a criar interesse pelo ritmo e alguns universitários passaram a utilizá-la em trabalhos acadêmicos como forma de contestar a alta cultura. 

A partir da década seguinte, bandas paulistanas como Vexame e cariocas como Os Copacabanas, fizeram shows onde sucessos de Reginaldo Rossi e Amado Batista, eram executados com pitada de humor e de maneira cômica, para públicos intelectualizados. Em 1999, ficou evidente a aceitação do brega pelo país, quando a gravadora Universal lançou uma caixa com seis discos de artistas como Odair José, Amado Batista, Gretchen, Sidney Magal, entre outros. A classe média começou a se interessar por um ritmo que é de origem popular, como eles consomem esses produtos (se freqüentam shows e compram discos) .

O brega vem de origem popular e agora se propaga pela classe média. Artistas e bandas que vem dessa classe social e que adotam esse estilo tomam como referências grande nomes do ritmo como Reginaldo Rossi, O Conde, Odair José, Falcão, entre outros, e misturam com ritmos contemporâneos e que tem uma maior identificação, como rock e a música eletrônica.

Uma dessas bandas que trás essa nova linguagem com o brega é a Faringes da Paixão que fazem essas misturas mas sem perder as raízes. O percussionista do grupo  Emmanuel diz de onde veio a paixão pelo ritmo e revela que em todo lugar ouve brega:  “Desde de pequeno ouvia brega de meu pai e acabei gostando de ouvir também. Hoje se você procurar no meu carro tem vários cds de brega, no meu computador a maioria é de brega, então o brega foi algo que foi naturalmente recebido pela banda”. Diz ainda como ritmo conseguiu chegar até a classe média: “Como o pessoal hoje ouve música pop, rock, eletrônica e que a gente ouve também, agregamos isso na banda misturando e fazendo um som que a galera curta” .

De Laís Siqueira - adapitado por Marcone Marques 

É brega, né não ?

O brega está em alta e este é um fato inegável. As cocotinhas de Boa Viagem a Casa Forte se transfiguram e não se envergonham mais em dançar o som da periferia. Tanto faz se em Itamaracá, a ex-praia da elite do Estado, ou em Tamandaré e Carneiros, neste verão todo mundo se acabou de dançar no “Vou não, quero não, posso não minha mulher não deixa, não!”.  Durante o Carnaval de Olinda, o hit ganhou nova roupagem e subiu as ladeiras com cara de frevo. Já nas prévias, os culturais do Recife incorporam as roupas curtas para bailar todas as vertentes do brega no I Love CafuçúAs barreiras do preconceito vão gradativamente sendo derrubadas e surge um brega multifacetado.


Nas noites do Recife o brega tem várias caras. Na Zona Sul, espaços como o Dona Carolina já foram palcos do estilo para a galera bonita da alta sociedade. Pelas bandas da Zona Norte o brega é uma coisa mais consistente, os de barba grande e as de sandália rasteira vão além do gingado e swing da música, o negócio é estudar as raízes e ouvir os clássicos: Odair José, Reginaldo Rossi, Sidney MagalNa periferia “o brega é original, é daqui, é da nossa gente e tem a nossa cara. Sabe, é a música que fala do mesmo jeito que a gente.” Diz a cozinheira Valdenice Costa (46) que não perde um final de semana no Bar 100% Brasil, no bairro da Boa Vista. Ah! Mas também tem os mais descolados que vão pro Brega Naite bater cabelo a noite toda no Vapor 48.

A coisa não parou na pista de dança, a classe média alta do Recife agora compõe e grava o tal do brega. Bandas como Tanga de Sereia, que mostra seu brega cult influenciado por Nelson Rodrigues e Almodóvar, fazem sucesso na cena alternativa da cidade. A banda já tem 3 cds gravados e hits estouradíssimos e cantados em coro nos seus shows, como “O homem do gás”, “Me chama de sereia” e “Primo com prima”.   Já os rapazes da Faringes da Paixão, que estão para lançar seu primeiro cd, fazem novas versões dos clássicos do brega, além de também cultuar seus amigos contemporâneos como O Conde do Brega.E quem comenta sobre essa adequação da linguagem da periferia por outras classes é o garoto pernambucano e músico, Silvério Pessoa no documentário “Do Kitsch ao cult”, “Antes uma música que representava uma classe socialmente desfavorecida, hoje é apropriada por uma classe de elite.”

E essa festa toda começou paralelamente na trindade do mundo virtual, programas de auditório (como o do lendário Denny Oliveira) e nos ‘insuportáveis’ carrinhos de som e seus cds “alternativos” (o velho e bom piratão). A internet, os canais regionais e a informalidade foram os grandes divulgadores do brega, um mercado independente que agora incomoda as grandes gravadoras e revela a cada segundo um novo grande sucesso para as próximas horas. A efemeridade dessas músicas tem a velocidade da postagem de um novo vídeo no Youtube, a galinha dos ovos de ouro do momento.

Mas o brega quer mais! Não bastam só as ruas e os estúdios de gravações, agora ele invade ,com a mesma força, os auditórios acadêmicos para se tornar coisa séria. Brotam estudos sobre suas influências musicais, sua história, seu efeito na sociedade e também para descobrir se essa garotada das classes mais altas, que vem puxando o brega morro abaixo, não quer apenas relegá-lo às formas do cômico vulgar de baixa categoria”, como observou, a respeito do grotesco, certo rapaz chamado Mikhail Bakhtin. Levado a sério ou não, foi uma música brega a escolhida pelo Ministério da Saúde para a campanha do uso de camisinha durante o carnaval.

Brega cult, brega clássico ou o bregão do povo, dançado pela playboyzada, intelectuais ou pelos bregueiros de berço no fim das contas, não tem erro, é exatamente como profetizou a Rainha do Brega Joelma, “Essa dança vai mexer com você e com o seu coração”.  Sendo você quem quer que seja, Prepare-se e “venha mover el esqueleto, mostrar que sabe bailar” ao som de muito brega!


Brega para todos os gostos

Se há duas décadas o termo brega era pejorativo, hoje, o que era cafona transformou-se num fenômeno sócio cultural, tendo em vista a mudança de seu contexto social. O gênero que ainda é reprovado pelos padrões estéticos da mídia, vem ganhando o gosto do povo. Ele deixa de ser porta voz apenas de uma categoria socioeconômica desfavorecida e passa a ser degustado também pela burguesia. Nasce assim, o brega como música amplamente difundida, ou seja, o brega sem frescura e preconceito!


Se o radinho de pilha foi o responsável por grudar o brega na cabeça do povão, o trunfo da internet foi levar o o ritmo da cozinha para sala de estar. As parafernálias digitais permitiram que o brega incorporasse novas sonoridades. O gênero que surgiu como um ritmo romântico, hoje chega com o batidão eletrônico, dando luz ao Tecnobrega. Com origem paraense, essa nova vertente é a fusão da música eletrônica e as influências locais, como o carimbó e a guitarrada. A junção disto tudo mais o gingado da lambada e da melodia caliente do merengue, constrói a principal vertente do “novo brega”, o calypso, que teve divulgação feita pelos vendedores de cd “alternativo”. Já o eletromelody se trata de uma versão mais rápida e pesada do tecnobrega. É a fusão da música de festa paraense com a dance music européia.


As facilidades tecnológicas não só levaram o brega à mais pessoas, como também levaram luz ao florescimento na produção do estilo, que é feito a preço de banana. Basta um computador e assim se faz um brega! Segundo Kléber Fonseca da Silva, produtor e cantor da Banda Lapada, o movimento brega transformou-se numa coisa caseira, não se usa mais grandes estúdios. Kléber diz que o músico de brega não ganha dinheiro com venda de cd, e sim com a música. Para isso, ele precisa fazer shows para divulgar seu trabalho. Nesse contexto, a internet surge novamente como um canal de difusão do gênero musical, contribuindo para grandes hits como o recente “Minha mulher não deixa não” de Reginho e Banda Surpresa e “Faz o V e vem pra cá” da Banda Djavú. Outro exemplo vivo (ou não, já que o dito cujo nunca mostrou as caras) é o DJ Cremoso, que transforma qualquer coisa em tecnobrega.


Entretanto, o brega enquanto música de massa e com todas as facilidades de produção e consumo nos dias de hoje, levanta a questão da vulgarização do ritmo. Segundo o professor de música da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Felipe Trotto, essa banalização não é possível, pois nem todo mundo que produz música consegue fazê-la circular e torná-la um sucesso. Para Felipe, a tendência é uma proporcionalidade entre a quantidade de pessoas que fazem música e uma melhor taxa de eficácia no que está sendo proposto, uma vez que haverá mais cabeças pensantes no processo de criação.
Para Kléber, a banalização não acontece pelo fato de que só quem tem conhecimento da música brega e das técnicas de produção é capaz de fazê-la.


Olhando bem para a cena construída pelo brega, o que se vê são todas as classes, cada qual com seu modo de absorver esse irreverente e pomposo estilo musical, se juntando cada vez mais por um mesmo propósito: se divertir! Mas esta coisa toda não é só diversão. A gente entra na festa e não para de dançar. Mas quem balança mesmo é o mercado das grandes gravadoras que não sabem aproveitar um bom som livre. É assim que o brega incomoda muita gente, sem se importar e até alimentando a pirataria com dosagens pesadas de vários grandes sucessos.


Gabriela Almeida e Marina Suassuna

 

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